O Gargalo da Produção de E-books no Brasil

27/04/2010
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Sábado, o caderno Ilustrada publicou uma ótima matéria, Formato e direitos travam e-book no Brasil. O repórter Fábio Victor identificou objetivamente os dois principais problemas dos editores e livreiros interessados em e-books: as deficiências na produção dos e-books no padrão internacional ePub e o baixo volume de contratos cedendo direitos para publicação eletrônica.

Vou me concentrar aqui na questão do formato, já que esse é o gargalo cuja solução depende, quase que exclusivamente, dos editores. A reportagem começa indo direto ao ponto:

Se livrarias virtuais brasileiras já têm milhares de livros eletrônicos à venda, por que tão poucos títulos são em português? Por que esse mercado, ascendente nos EUA, não deslanchou no Brasil? As perguntas, que circulam no meio editorial e entre leitores, não têm respostas prontas nem simples, mas por ora duas surgem como mais esclarecedoras.

A resposta da primeira pergunta chama-se marketing. Estrear uma loja de e-books com 100 livros não rende a mesma mídia que uma estreia com 100 mil livros, mesmo que sejam todos em inglês. O marketing fala mais alto, ruge nessas horas. As duas grandes lojas de e-books que existem no Brasil nesse momento, Gato Sabido e Livraria Cultura, não titubearam e garantiram uma boa exposição na mídia.

O repórter acerta em cheio quando adentra nas respostas.

Uma, inacreditável, é tecnológica: o país praticamente não tem mão de obra especializada para converter os livros para o formato escolhido até agora como padrão pelo mercado, o ePUB.

Especializada em ePub, realmente, não. Mas os profissionais existem. Considerando que o padrão ePub trabalha com HTML, CSS e XML, conhecimentos comuns a qualquer webdesigner digno do nome, os editores brasileiros poderiam investir nesse profissional, que ao invés de desenhar sites, estruturaria livros.

Investir diretamente na formação de mão-de-obra tem custos e riscos, duas palavras que passam longe dos planos dos editores, ainda mais se tratando de e-books. Causa pouca surpresa saber que a saída comum encontrada para o gargalo venha sendo a contratar fornecedores de serviço de fora do país.

chama a atenção a experiência da Zahar, pioneira na venda de e-books no país. A editora recorre a empresas na Índia e nas Filipinas, subcontratadas de firmas nos EUA, para transformar em ePUB os seus livros digitais. Desenvolvido pelo IDPF (fórum internacional de publicações digitais) para ser o formato padrão do mercado, o ePUB é mais dinâmico que o popular PDF, pois o fluxo e o corpo do texto se adequam ao aparelho.

Como o repórter explica, as editoras contratam diretamente, ou através de intermediários, os serviços de produção de e-books em ePub de indianos, filipinos e outros fornecedores asiáticos. É uma solução complicada e dolorosa, porém:

Após diagramar o livro, a Zahar envia o arquivo para a Ásia. Quando ele volta, em formato ePUB, “perde a formatação e às vezes o conteúdo”, conta a diretora Mariana Zahar. Dá-se então um contato tortuoso com indianos ou filipinos, para que o serviço seja corrigido. “Vira um caos, é uma novela”, queixa-se. A editora, por isso, estuda voltar ao PDF.

Deve ser de arrancar os cabelos mesmo. Imagine a frustração com o resultado final. Os livros são os principais patrimônios de uma casa editorial, precisam ser impecáveis. Perda de formatação e cortes de conteúdo são ocorrências inaceitáveis em um serviço profissional. Se não encontra soluções no Brasil, e depende de fornecedores fracos do editor, o editor só pode sentir-se de mãos atadas, sem domínio da tecnologia com a qual precisa trabalhar para competir.

“Não adianta editoras quererem recuperar o passado inteiro. Ele está perdido”, diz Ernanny, outro a sofrer com os prestadores de serviço asiáticos. “É seríssimo. Os livros vêm sem cedilha nem hífen. Você também não entende o que eles falam, aquilo não é inglês.”

Uma boa descrição sobre tortura chinesa. Imagine tentar explicar a um sujeito a importância do cedilha, considerando que ele não entende bulhufas de português e ainda fala um inglês atravessado. É martírio. O dono da Gato Sabido, que já está vendendo e-books desde dezembro de 2009, também sonha com o PDF como solução intermediária:

O tradicional formato é defendido também por Carlos Eduardo Ernanny, dono da Gato Sabido, primeira loja de e-books do país. “É muito bizarro, há quatro meses tenho dois desenvolvedores de sistema sêniores trabalhando na criação de um conversor de formatos, e estamos apanhando.”

Ele afirma que insistirá, mas defende que “não se deve atrasar publicação de livro se só houver PDF, que é um formato gostoso de ser lido”.

A qualidade dos ePubs produzidos na Ásia, notoriamente, é muito baixa. Basta entrar em qualquer fórum de aficcionados por e-books, para constatar isso. Leitores (e alguns editores também) se queixam o tempo todo de serem submetidos a verdadeiras sessões de tortura, quando obrigados a ler livros produzidos na Ásia, tal a quantidade de erros, typos, falhas. Os editores brasileiros se encontram num dilema: ou investem nos fornecedores de serviços asiáticos, porque o preço do serviço é baixo e diminui os custos, e comprometem a qualidade… ou ficam no PDF.

E-book no iPhone

ePub aberto no iPhone, usando o app Stanza. Existem 300 mil iPhones no Brasil, mas pouca gente vende e-books para o iPhone no país.

O PDF empurra a questão com a barriga, é uma saída provisória. Nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia, o PDF não é utilizado como formato para e-books (explicamos aqui). A aposta das grandes editoras internacionais, das pequenas também, é o ePub. Como crer que o mercado brasileiro será diferente? Para os editores brasileiros, seria mais fácil fazer PDF’s dos livros, aproveitar o workflow atual, certamente. Mas esse workflow vai precisar incluir o ePub também. Embora o PDF seja ótimo para computadores, ele é inadequado para telas menores e com crescente interatividade, como as dos aparelhos em que o mercado investe fortemente e embarca em peso, desde 2007, com o lançamento do Sony Reader, do Kindle do iPhone. E o PDF fica ruim nesses aparelhos, os leitores sofrem para ler… e os editores brasileiros sofrerão para vender, se for essa a alternativa de e-book que oferecerem.

O jeito é arregaçar as mangas e enfrentar o bicho. Se hoje os brasileiros lêem muito mais em computadores, é por circunstância: e-readers e outros dispositivos móveis de leitura ainda são muito caros. Essa situação vai mudar até 2011. Esses aparelhos ficarão mais populares e mais acessíveis ao bolso. Os celulares já estão nessa trilha e muita gente lê livros no celular. É uma questão de tempo, pouco tempo. Enxergar um pouco mais longe, investir um pouco mais em ePub, agora, pode garantir um futuro mais tranquilo para os editores.

A reportagem da Folha foi adiante, suscitando outras questões pertinentes.

Recém-chegada à venda de e-books (começou as vendas neste mês), a Livraria Cultura diz ter especialistas que já convertem os livros para ePUB. “É gente daqui e de outro mundo”, despista o dono da rede, Pedro Herz, questionado sobre onde contratou a mão de obra.
A Cultura, apurou a Folha, já está convertendo sob encomenda para editoras.
Mas Herz continua cético quanto a um crescimento veloz do livro digital. Em quase um mês, diz ter vendido apenas 134 e-books. “É muito pouco.”

O caso seria de ceticismo, sim, se a Cultura tivesse vendido mil livros! Vejamos. Oferecendo centenas de milhares de livros em inglês, e umas poucas dezenas de livros em português, em sua maioria caros pra caramba, chega a ser divertida a queixa de que foi “muito pouco”. E-books custando R$ 26,00? Ninguém pagará tão caro assim para ler na tela, seja de computador, ou de iPad, se com esse valor se compra um livro impresso. Essa é a percepção de valor do leitor, é inescapável.

O livreiro é um dos que defendem que o maior nó do mercado é a rediscussão dos direitos autorais. “O medo está aí. Isso vai inundar o Judiciário.”

Aqui Pedro Herz tem toda a razão. Embora não vá gerar um tsunami judiciário, é fato que muitos editores, nos últimos dez anos, simplesmente ignoraram a evolução das mídias digitais. Os primeios aparelhos leitores de e-books datam do final da década de 1990, e os editores mais atentos, que foram bem poucos, desde aquela época trabalharam com contratos prevendo a cessão de direitos eletrônicos. O resultado, hoje? Um sem-número de autores e obras cedidas exclusivamente para versões impressas, sem nada de direitos eletrônicos.

Cool-er Gato Sabido

O primeiro e-reader vendido no Brasil, pela Gato Sabido

Se as editoras não se apressarem, podem perder os contratos eletrônicos dos autores para grandes editoras e grupos internacionais. O negócio será correr atrás da máquina, infelizmente.

Outro entrave ao desenvolvimento do mercado no Brasil é o preço dos leitores eletrônicos. Todos são importados e custam em média US$ 250 (R$ 440), fora impostos, que podem dobrar o valor. A Gato Sabido vende seu Cool-er, inglês, ao preço final de R$ 750.

Até o final de 2010, vamos ter mais aparelhos à venda no Brasil, trazidos por outros distribuidores. Internacionalmente, os custos de produção de e-readers baseados em e-ink estão caindo, a concorrência crescendo… esses preços vão cair mais, mesmo importando. As pessoas dizem que 2010 será o ano do e-book no Brasil… soh se for o ano de estreia. Estamos todos em fase de testes, tateando, conhecendo, aprendendo. 2010 é o ano do laboratório. 2011 sim… esse vai ser o ano das vendas, especialmente para quem está fazendo sua lição de casa em 2010.

O nosso mercado vai mudar bastante nos próximos meses. Maio vem aí com a estreia prevista da loja de e-books da Livraria Saraiva. Em breve, a própria loja da Simplíssimo estará no ar também. Outras lojas também estão previstas, das próprias editoras, de outras empresas também. O mercado, mesmo com as suas incertezas, as suas inseguranças, vai crescer forte nos próximos anos.

 

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  1. Sobre a falta de mão de obra, acho que o design de ebooks ainda não é (mas será) algo muito interessante para os designers de livros tradicionais, ou mesmo webdesigners, pois é um misto do dois mundos ainda em fase embrionária, onde o controle do design é muito pequeno. Um técnico pode até resolver a questão da “conversão” para o formato ePub por exemplo, mas enquanto não tivermos formatos e plataformas de edição mais profissionais, ficamos limitados em relação ao design e às reais potencialidades do livro eletrônico.

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