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Carta Aberta ao Senhor Motorista do Tanque – Parte 2

01/03/2012
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artigo publicado por José Geraldo Gouvêa no site Letras Elétricas.

Comecei a postagem passada dizendo que o “e-book” é uma “buzzword” poderosa, que adquiriu um caráter de dogma, e cuja crítica é retrucada com o anátema. Esta é uma característica predominante de nosso tempo: após décadas de modernismo, caracterizado pelo pensamento multifacetado, vivemos uma era de aspiração ao pensamento único, sob o signo do infame “fim da História” apregoado por Francis Fukuyama, nome que será eternamente lembrado pela ignomínia. Algumas “buzzwords” nomeiam coisas que efetivamente existem, são novas e se consolidam, como foi o caso da internet (que já foi um tema da moda, antes de virar item básico de nossa sociedade). Outras são apenas conceitos desenhados no ar por pessoas interessadas em ganhar o dinheiro de pessoas que gostam de palavras aéreas. Outras ficam no meio termo: nomeiam coisas que existem, mas não são novas, apenas revestidas de nova aparência. Penso que o “livro eletrônico” está neste terceiro grupo.

A rigor, se julgarmos pelo sentido literal das duas palavras, podemos dizer que existem livros eletrônicos desde meados dos anos setenta, quando foi criado o Projeto Gutenberg, com o objetivo de transcrever em formato eletrônico a herança cultural da humanidade. Desde então surgiram outros projetos e outras formas de geração, distribuição e leitura de conteúdo textual (e não textual). Um sítio na internet não deixa de ser um livro eletrônico, se contiver texto apropriado para um livro.

Porém, quando os marketólogos do mercado põem a mão em algo, eles procuram criar um produto a partir de uma “commodity”. O “livro eletrônico” etiquetado como “e-book” só traz de novo o velho anseio de manter sob controle o conteúdo que a internet, anárquica por natureza, ameaçava arrebentar. Os leitores de livros eletrônicos sempre procuram restringir o acesso do usuário ao conteúdo, criando formatos incompatíveis, licenças dificultosas, impedimentos operacionais. Pessoas que adquiriram os primeiros leitores de livros eletrônicos e gastaram dinheiro comprando “livros” para eles provavelmente hoje se perguntam aonde foram parar: quando o aparelho deu defeito os livros simplesmente sumiram. Arquivos digitais somem. Se para morrer basta estar vivo, para um arquivo digital desaparecer irremediavelmente, basta que ele tenha sido criado.

Como autor eu deveria estar preocupado com o controle sobre o meu texto. E estou. Como ser humano eu deveria estar preocupado com a realidade de que um dia morrerei. Eu estou. Em um caso, como no outro, porém, eu enfrento o inevitável: o conhecimento quer circular e as pessoas querem compartilhar aquilo de que gostam. As empresas que vendem produtos culturais gostariam de impedir isso e criam regras absurdas. Se eu fosse seguir tais regras, eu sequer poderia tocar na festinha de aniversário de minha filha o CD da Xuxa que lhe dei de presente, pois está proibida a “execução pública”. Portanto, eu sei que se o meu texto for bom e agradar, ele será copiado e eu não ganharei dinheiro nenhum com isso. Só me resta esperar que pelo menos a maior parte dos copiões tenha, pelo menos, a decência de não remover a menção à minha autoria (se bem que confio mais na decência dos cachorros do que na do ser humano, considerado em sua média).

Portanto, quando são criadas regras para controlar o acesso ao conhecimento, mesmo que tais regras sejam feitas em meu nome (ou seja, em nome dos criadores de conteúdo, profissionais ou não), eu sei que elas não me beneficiarão, que dificilmente beneficiarão aos controladores de tal conteúdo (gravadoras, editoras etc.) e que certamente prejudicarão à humanidade. Inúmeras são as leis que são criadas e custosos são os procedimentos e processos que são levados a termo em nome do combate à pirataria, tal como são inúmeros e custosos em relação ao combate quixotesco contra as drogas. O ser humano quer anestesiar-se, e ocasionalmente destruir-se, e é inútil tentar suprimir as ferramentas, pois se a necessidade existe, outras ferramentas sempre serão inventadas. O ser humano é inteligente e engenhoso, sabe improvisar em caso de necessidade. E o ser humano quer o conteúdo. Quer ver o filme, quer ouvir a música, quer ler o livro.

Na próxima semana continuarei analisando o tema, desta vez falando sobre o tipo de proteção e de reconhecimento que realmente me interessam como autor.

José Geraldo Gouvêa é autor independente de Cataguazes.

 

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