Enquanto livros digitais ainda não atingem o auge e tampouco a ascensão em terras brasileiras, seus parentes físicos seguem como modelos de perfeição e intelectualidade. Trono esse que até 2030 vai aos poucos ser usurpado com a chegada ao país – já em 2012 – da gigante varejista Amazon.com, que vendeu ano passado, nos EUA, cerca de 7 milhões de seu eReader (o Kindle) e o equivalente a quase 6 milhões de reais em arquivos específicos para ele. A interface amigável dos ditos leitores digitais pode ser o fator determinante para uma alvorada eletrônica do texto consumido pelo brasileiro, acabando, todavia, com a alcunha de “país que não lê”, dada por alguns a despeito da profusão de Augusto Cury, Paulo Coelho e Harry Potter nos transportes públicos. É, quem sabe, a vinda também de um novo nível de – um bom – consumismo, seguido daquele dos telefones celulares cuja última função é, de fato, concluir e receber ligações. Boom de compras e, mais importante, de informações e conhecimento.
O problema primário e pestilento do eBook, alegado pelos literatos, livreiros e leitores de metrô é, justamente, não ser de papel. Em segundo lugar, de maneira repentina, o leitor do papel diz, para arrematar a discussão, que o livro digital não pesa, não cheira e não ocupa lugar na estante. Por fim, já sentindo ter vencido o debate, o entusiasta da leitura – talvez com dor nas costas ou 500 páginas de offset pólensoft debaixo do braço – alega que é fácil se deixar perder uma obra formada, essencialmente, por 0s e 1s. É até estranha essa necessidade de acumulação, negada, respectivamente, pelo fato de que um livro digital não derruba árvores, pesa menos que o ar, é avesso ao mofo e cabe aos zilhões se amontoados no disco de seu aparelho. Na época dos discursos sustentáveis, falta de espaço, de qualidade de vida e disposição – que, segundo J. Attali, deve se agravar conforme nos aproximamos de 2030 – é barroca a predileção pelos calhamaços e seu maior defeito: carecer de possibilidades de backup, sujeito o leitor a grandes danos ao espírito se perdidos em água ou fogo.
A Amazon, junto à Sony, Barnes & Noble e demais empreiteiros, não terão – pensam os membros da comunidade digital – a intenção de criar uma seita, ainda mais segregada que a pró-leitura analógica, de leitores alimentados por elétrons e eInk. O objetivo de entrar no mercado brasileiro, após ter se consolidado no equivalente americano e europeu, será facilitar um processo, fazendo fortunas enquanto isso. É disponibilizar, às massas e à elite, as mesmas possibilidades. Não cabe a essas linhas fazer apologia ao nome de uma ou duas marcas, mas sim reconhecer o que de proveitoso se pode tirar da iniciativa delas – ainda, de maneira mais otimista, prever o surgimento de serviços alternativos aos grandes, porém de nichos mais fechados, público mais abrangente e intenções tão práticas quanto. Justo, dado o trajeto que toma qualquer iniciativa baseada em tecnologia (vide sistemas operacionais, games e serviços gerais de busca).
Nesses tempos de tablets, eReaders e outros gadgets do tipo produzidos por aqui – o que na próxima década de trinta vai aumentar em progressão geométrica com os incentivos tributários –, a relação do homem com o livro de papel vai ser marcada antes pelo status de fetiche que se dá à edição de alguma obra do que pelo conteúdo dela em si. Discordo de Attali quando, em “Breve história do futuro”, diz: “estes objetos não substituirão os livros, mas terão outros usos, destinando-se a obras efêmeras, incessantemente atualizadas e escritas especialmente para estes novos suportes”. Fica claro que o autor, no trecho acima, não se propôs a tratar tablets e eReaders como os aparelhos independentes que são, mas a previsão de que esse novo momento “tornará finalmente os livros eletrônicos numa realidade comercial” parece, segundo o que ponho nessas linhas, certeira.
Decerto, hoje esses apetrechos não são baratos, se importados. Ao mesmo tempo, vindo a ser fabricados por vias nacionais com reduções tarifárias e incentivos publicitários – para serem vendidos a baixos valores e com boa demanda –, vão formar um novo patamar do mercado editorial brasileiro sem, de qualquer forma, exterminar os belos e luxuosos catataus das prateleiras. O livro de papel, então, terá destino semelhante ao que tiveram os discos de vinil no início dos anos 90: arrocho comercial e industrial, seguido de limbo temporário – respirando por aparelhos cedidos pelo underground e grupos de culto – e, por fim, elevação espiritual e material, dando lugar a um novo momento e vida útil. Ainda sim, o saudável fetichismo seria renovado, numa relação cíclica entre eletrônica e celulose. Contudo, não basta limitar essa reflexão a previsões idealistas. Sempre, enquanto existirem livros e humanos, x e y, haverá espaço para os dois formatos – e, logicamente, para o preenchimento que é ter livro novo para apalpar e cheirar, além da sensação de que digitalizar é nada menos que adequar.
por Bruno Gaspar, publicado originalmente no site paulista900, a revista digital dos alunos da Cásper Líbero.
oi, Stella. como vai?
eu, como autor do texto, gostei de o vê-lo republicado aqui.
obrigado.
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