Artigo por Ednei Procópio
Acima de questões como interface, acesso, quantidade e distribuição de exemplares digitais talvez esteja aquela que irá forjar o verdadeiro e novo mercado editorial: a questão da precificação dos livros.
Eduardo Melo, da Simplíssimo Livros, ensinou-me como traçar um paralelo entre a crise econômica mundial atual e o fortalecimento do mercado de eBooks através da popularização do preço de capa dos livros. Aprendi, em uma de suas palestras, que crises econômicas mundiais geralmente influenciam diretamente no consumo dos livros. Desde as Primeira e Segunda Guerra Mundial, passando pelas primeiras crises do petróleo [1972 e 1975], houve alteração no preço de capa do livro na versão paperback que, inclusive, culminou com a criação do livro, impresso, em formato pocketbook, mais barato e acessível que o seu antecessor.
Refletindo um pouco mais sobre o assunto, tal tese me fez concluir que, se realmente existe um reflexo paralelo no consumo dos livros em época de crises econômicas, os contextos econômicos mundiais influenciam diretamente no consumo de produtos culturais de maneira ainda mais intensa em comparação a outros mercados, tornando-os assim ainda mais acessíveis. E a tendência, no Brasil é que haja uma ascensão na quantidade e qualidade de títulos disponíveis, a preços bem populares, tal qual ocorreu com o mercado de aplicativos para dispositivos móveis.
O mercado econômico brasileiro, porém, de um modo geral deve passar, em minha opinião, por mais uma forte retração futura que influenciará mais uma vez no rumo do mercado editorial, antes que haja uma consolidação efetiva do consumo de eBooks no país.
As perspectivas para os eBooks pelo mundo não diferem do nosso país uma vez que vivemos uma época de economias globalmente interligadas. O que nós sabemos é que multinacionais como Kobo, Google e Amazon continuarão influenciando os mercados regionais na tentativa expandir ainda mais os seus domínios e consolidar suas marcas. O que ainda falta saber é como pequenas e médias empresas editoriais, regionais, irão sobreviver a uma ruptura no mercado de consumo marcada por uma falta de regulamentação dos Governos que, em tese, poderia até talvez sair em defesa de suas empresas internas.
Por trás de toda a revolução em andamento causada principalmente pelo advento e avanço da Internet, ainda existem as leis que regem o livre mercado, a livre concorrência. Mas creio poder ainda assim haver sim um estabelecimento de parâmetros mínimos para o mercado, para dar respaldo a toda cadeia produtiva do livro, embora não fosse possível influenciar diretamente em cada um dos novos modelos de negócios que estão sendo testados pelo próprio mercado. Assim, o que resta ainda saber é de que modo pequenas e médias empresas podem sobreviver encontrando caminhos alternativos. Apenas com criatividade e empreendedorismo?
Um dos itens que mais poderão influenciar o rumo do mercado de livros nesta economia criativa de escala global, sem sombra de dúvida é a tecnologia já que esta superou por si mesma os limites de adoção perante o mercado consumidor.
Dispositivos de uma variedade impressionante de tamanhos, pesos, espessura e desempenho fazem hoje parte do dia-dia de milhares de usuários que consultam simultaneamente informações sobre o trânsito, o clima, a cotação do dólar, etc., em tempo real aos acontecimentos diários de suas vidas nas cidades. Nenhum acontecimento público de elevada proporção fica sem o registro imediato de centenas de testemunhas que, ainda mais rápido que a imprensa, divulgam ocorrências em vídeos, fotos e áudios numa escala quase que desproporcional ao nível de consumo destas mesmas informações. Tudo isso através de uma gigantesca rede social chamada Internet.
Algo bastante importante a ser levada em conta neste contexto é a questão da interface entre o leitor e o conteúdo do livro. Esta interface pode estar atrelada tanto ao conteúdo, por conta da diagramação dos livros utilizando as ricas plataformas de autoria e edição; mas podem estar também atrelada às limitações técnicas ou possibilidades do próprio dispositivo onde o livro será lido. Certo, porém é afirmar que o aplicativo é o limite entre o conteúdo e o dispositivo.
Vencida a questão primária de um modelo de negócios sustentável, uma empresa de mídia editorial precisa focar os seus esforços em criar uma interface no mínimo padrão tanto para a criação quanto para o consumo dos livros.
Os livros tem, a seguir, que conquistar um novo espaço na agenda diária dos consumidores modernos que podem optar por uma leitura talvez mais lenta, mais íntima, mais densa. Para alcançar o leitor disposto a trocar algumas horas de seu dia pela leitura de um eBook, o mercado editorial deverá buscar a diversidade.
O novo leitor baixa cerca de dois mil aplicativos por segundo através da Internet e, para superar o desafio da escalabilidade de conteúdo versus qualidade editorial, se faz necessário o foco nos negócios voltados a uma rica bibliodiversidade. A diversidade de conteúdo, de catálogo, de títulos, de novos autores e novas conversas, que possam atrair a atenção deste novo leitor um tanto mais disperso, é um dos caminhos para os pequenos negócios. Talvez deste desafio renasça um novo e próspero período para todo o mercado editorial, antes mal acostumado, e acomodado, com o antigo sistema de produção de obras em versão impressa.
O Brasil já alcançou mais de 250 milhões de linhas telefônicas para celulares. Pelo menos 20% deste efetivo vem de linhas chamadas pós-paga; próximo dos 10% temos as chamadas linhas 3 ou 4G.
Uma tecnologia básica, no entanto, atinge quase que 100% dos clientes das operadoras que oferecem serviços de telefonia em nosso país: os serviços de SMS. Embora o número de dispositivos smartphones tenha superado o de aparelhos celulares mais simples, mensagens curtas, de no máximo 140 letras ou caracteres [inspiração para o Twitter, inclusive], poderiam eventualmente servir para o tráfego de literatura [e-shorts stories] através dos celulares.
O mercado de mídia está sempre na fronteira da alta tecnologia, e na dependência do que realmente é utilizado pela maioria dos usuários. Estágios intermediários entre eles podem configurar, com uma boa dose de criatividade, possibilidades inúmeras nos campos da publicação, comercialização e divulgação dos livros.
Para os celulares, aparelhos mais simples que os smartphones, ao contrário do Japão, por exemplo, não houve o desenvolvimento, no Brasil, de um case de sucesso que usasse a transmissão de textos literários utilizando a tecnologia SMS. Antes de fundar a Simplíssimo Livros, o próprio Eduardo Melo esteve envolvimento com um projeto que pudesse suprir este tipo de carência.
Enquanto tecnologias novas de comunicação através de aplicativos como WhatApp e Skype vão se tornando populares e onipresentes, a tecnologia SMS poderia ser usada para a publicação de micro narrativas, haicais, salmos, e uma infinidade de frases de efeito utilizadas em livros de autoajuda, por exemplo. É claro que ler um texto na tela de um celular, antes dos aparelhos ganhar um aumento no ganho de tela, era um sacrifício. Mas, com a melhora na legibilidade das écrans, tornou-se possível, por exemplo, usar esta tecnologia básica para a divulgação de livros e escritores.
Mesmo não sendo tecnologicamente possível o tráfego de livros inteiros utilizando a transmissão SMS, é possível utilizar-se desta plataforma já amplamente difundida para atrair a atenção de milhares de leitores antes um tanto indecisos, para não dizer perdidos, com relação a escolha do seu próximo livro.
E este é apenas um exemplo de como enxergar de um modo mais amplo o mercado de livros como um mercado de conteúdo voltado para o digital. A ideia é usar toda a tecnologia existente como um meio para se levar livros às pessoas. E os meios tecnológicos formam a interface entre os dispositivos e os conteúdos por escritores criados.
Os novos negócios para as editoras brasileiras neste sentido é, no presente, o cerne de um cenário esplêndido de oportunidades. Se, no passado, o suporte papel assumia o modo como entregávamos os nossos livros, agora esse modo de entrega se dá através de uma infinidade de écrans em uma miríade de suportes e dispositivos digitais. O livro finalmente superou a mídia, e está agora disponível para além das mídias.
E, estando livre, o livro pode ser melhor explorado por escritores, editoras e leitores. A exploração comercial, por sua vez, pode alcançar um patamar de audiência nunca antes atingido pelo mercado editorial convencional, que sempre se restringiu e limitou-se a logística de um suporte caro, pesado e inacessível. Muito pouco democrático, inclusive para as pequenas editoras.
Neste cenário do livro além do livro, o maior desafio é manter a escala de consumo dos títulos digitais acima da média em número de exemplares comprados, já que o preço de capa das obras estará abaixo dela. Superadas às limitações técnicas, de bibliodiversidade, de política precificatória, o eBook terá finalmente se consolidado como uma mídia rica, e interativa, em todos os sentidos para o leitor final.
Ednei Procópio é editor, especialista em eBooks e autor de “O Livro na Era Digital”
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