Hoje foram muitos os artigos publicados discutindo o livro digital. E isso é muito bom! Espero poder ver muitos outros. Além do artigo do Estadão, temos um muito bom também, Quando o Bolso (e o Mercado) Fala: a História de um Tecnófobo, de Fabiane Lima do MeioBit. Também é ótimo ver o livro digital sendo discutido em sites de tecnologia, e não apenas em nichos editoriais. Segue um trecho:
Como em pelo menos metade das ficções científicas, o futuro é distópico. Com pilhas de livros sendo queimados, e a população cada vez mais imbecilizada e cruel que vem de brinde neste cenário. A paixão pelo conhecimento e pela leitura o tiram da matrix, mas Eles não o querem fora da matrix. Um tema interessante, mas que de tão recorrente, acaba por se tornar um cliché. É basicamente disso que se trata a obra Fahrenheit 451, clássico do gênero publicado em 1953 que recentemente obteve permissão para ser publicado digitalmente em fins de novembro passado.
E esse texto não existiria se o assunto tivesse acabado aí, e isso seria uma não-tícia. A parte interessante vem agora: Ray Bradbury, o autor do livro, resistiu o quanto pôde a ver sua obra habitar leitores digitais de todo o mundo. A justificativa, dada em 2009, que mais parece a defesa de uma parafilia à defesa de livros enquanto suporte de conhecimento, era de que um livro digital “[…] não tem significado; não é real… Está no ar em algum lugar”.
O artigo completo está aqui.
Tão interessante quanto o artigo é ler os comentários, como o de Xultz: “Um livro na estante também não tem significado, também não é real. É um amontoado de páginas com um amontoado de letras em cada uma. Somente quando uma pessoa lê o texto é que ele passa a ser real, na mente do leitor. O livro físico é somente status quo, e quem passou a vida inteira colecionando estes objetos não consegue se desprender facilmente. Eu passei pelo mesmo sentimento quando me livrei de minha coleção de vinis em troca de CDs, e de minha coleção de CDs em troca de mp3. Não é uma transição fácil, mesmo.”
Não é fantástico? O comentário do leitor, aliado ao artigo, fala tudo. Não há significado em um livro, seja digital ou físico, até que nós atribuamos significado a eles. Por isso o livro físico ainda é tão querido. É muito mais fácil perceber sua realidade, pois ele possui dimensão e peso. É possível abraçá-lo, é possível acariciá-lo. E não estou brincando quando falo isso. Quem nunca viu uma criança grudada em um livro que gosta? Um eReader traz em si vários livros, e justamente por isso perde seu sentido e seu querer de único.
Com um tablet é a mesma coisa. Ele não é um livro, é muitos livros, é jogo, é internet. Você “ama” seu tablet pelo que ele é, não poderá amá-lo pelo livro que traz dentro dele, pois ele poderá ser apagado, e há muitos outros usos para o tablet. Estamos grudados no significado denotativo de um livro, quando deveríamos nos lembrar de seu significado conotativo.
Quando eu era criança, tinha um livro com uma história de um coelho. Como era para crianças, ele era todo de tecido recheado de espuma, assim poderia também ser utilizado como travesseiro. Aquilo era um travesseiro ou um livro? Não era de papel, mas era um livro, tinha páginas até. E eu me lembro dele até hoje, dos desenhos, da história. É um erro considerar aquilo como livro?
Nada é real, tudo o que vemos possui o significado que atribuímos a eles. Um livro será um livro quando e como quisermos.