Para aqueles que estão migrando da produção editorial tradicional para os eBooks, ou planejam entrar agora no iniciante mercado de criação de livros digitais, há uma pergunta que não quer calar: preciso mesmo entender de código para criar um eBook? Não seria melhor esperar por uma solução que vá tirar dos designers visuais o peso de lidar com linhas intermináveis de código? Alguém já deve estar pensando em alguma ferramenta para resolver isso…
A dúvida é mesmo cruel, já que do ponto de vista da apresentação gráfica do conteúdo, da parte prática mesmo, a divisão entre o mundo web e o editorial é vasto, muito vasto. Além disso, os métodos e ferramentas para desenvolver produtos destinados à impressão profissional já são bem conhecidos pelos profissionais e usam, de forma geral, o sistema WYSIWYG. Incluir mais um conjunto de conhecimentos com características tão diferentes na já atribulada rotina dos profissionais da área gráfica não é tão fácil assim.
Para esclarecer esse dúvida, mas também para oferecer algum “incentivo”, separei seis argumentos fundamentais para convencer o pessoal da produção editorial print-only a entrar de vez no fantástico – às vezes nem tão fantástico assim, é verdade – mundo das linguagens web. Vamos a eles:
Vivemos um estágio onde há diferentes tipos de livros e revistas digitais, com formas de produção e plataformas de leitura específicas, algumas abertas, outras proprietárias, e a todo momento vemos surgir novos tipos. Todos podem ser igualmente chamados de publicações digitais. Em qual deles vale a pena investir profissionalmente? Se pudéssemos apostar em um terreno seguro, acima de qualquer discussão sobre padrões, para quem quer navegar nessa onda dos eBooks, esse seria o das linguagens web.
Elas são os blocos de construção básicos dos principais tipos de livros digitais, ePub e Kindle, e estão por trás de várias outras iniciativas que transformam conteúdo web em livros eletrônicos, como o Pressbooks. Mesmo livros e revistas no formato de aplicativos podem ser construídos com a ajuda delas, e como a web não vai à lugar nenhum, é bem provável que essas tecnologias padrão sejam relevantes por muito tempo – a decisão da Adobe em focar em HTML5 para desenvolvimento mobile, deixando de lado o Flash Player para estas plataformas, é um forte sinal nesse sentido. Entender e dominar o idioma da web é meio caminho para se manter “dentro do jogo”. Fugir dele é inútil.
Eles existem, e tem suas aplicações, mas são pouco flexíveis e inserem ainda mais complexidade no processo de desenvolvimento. O que se pode fazer com eles é limitado, por que a web – e o mundo do eBook, que bebe da mesma fonte – é um meio complexo, cheio de possibilidades, e deve ficar mais complexo ainda com o HTML5.
Ao contrário do setor gráfico, onde ocorre uma forte padronização das tecnologias e delimitação do ambiente, métodos e programas de produção – basicamente construídos sobre o PostScript/PDF –, no mundo web não há um ambiente restrito que delimite tão fortemente o contexto de apresentação gráfica da informação. Basta imaginar os diversos tamanhos de tela disponíveis, métodos de interagir com a informação (teclado, mouse, touch), modos de cor, versões de programas, velocidades de conexão, plataformas, níveis de suporte aos padrões…
Enfim, não há uma única maneira padronizada e universalmente aceita de preparar um conteúdo automaticamente diante desse cenário, pois essa é a natureza do meio: ilimitado, aberto, colaborativo. É por isso que é tão difícil criar um programa totalmente visual para conteúdo baseado em linguagens web. Até agora, não há nenhum capaz de lidar com toda a gama de possibilidades e problemas inerentes à produção, seja para a web ou para eBooks. Na prática, para resolver os problemas criados por eles é preciso ainda mais conhecimento das linguagens.
Alguém pode argumentar que, para certos tipos de livros – de texto puro, por exemplo –, é possível produzir um eBook “satisfatório” com uma simples conversão entre formatos, digamos, de PDF para ePub, sem lidar com código. Para conversões amadoras, sem muitas expectativas ou controle sobre o resultado final, talvez seja verdade, mas essa não é uma opção para quem quer trabalhar profissionalmente com eBooks e precisa entregar um produto livre de erros.
Conversões automáticas, por mais eficientes, não são capazes de antever como o arquivo será interpretado em cada eReader, e geralmente falham nesse quesito fundamental: regularidade. A única maneira garanti-la é conhecer a fundo como se comporta o código gerado e como será interpretado nos sistemas de leitura, para então identificar e solucionar os problemas… e para publicações de layout mais complexo – que devem frutificar com a chegada do ePub3 – este tipo de conversão automática tem menos utilidade ainda.
O HTML não é uma linguagem de programação, mas uma linguagem de marcação. A curva de aprendizado desta categoria de linguagem de codificação é relativamente pequena, pois suas regras básicas não são complexas. Em pouco tempo é possível aprender seu contexto, regras e potencialidades. Acontece o mesmo com as folhas de estilo CSS. Há muito mais desafio em aprender uma linguagem de programação “pra valer” como o PHP ou o Python.
No início do desenvolvimento web, há 20 anos, aprender a lidar com HTML era para poucos: simplesmente não havia material disponível para aprender a linguagem. Não havia cursos, tutoriais, publicações, Youtube, vídeocasts e toda a sorte de materiais instrucionais disponíveis hoje. Com dedicação e persistência é possível até mesmo aprender a lidar com essas linguagens de graça – embora um bom curso presencial seja uma excelente forma também, mais eficiente para muitas pessoas.
Uma pesquisa recente mostra que a indústria editorial está tendo dificuldades em agregar competências digitais no seu fluxo de trabalho (isso nos EUA, mas acredito que o mesmo se aplica aqui). A integração do mercado editorial com tecnologias mobile está em plena expansão e profissionais capazes de lidar com os dois mundos (impresso e digital) são/serão valorizados no mercado. O nível de demanda para produção de conteúdo digital tem crescido proporcionalmente com a popularização dos dispositivos móveis, e há muitas oportunidades surgindo, em várias frentes, não só no terreno do digital publishing. Se consideramos também as projeções de crescimento do mercado de livros digitais, e da web de forma geral, não há dúvida que essa lacuna ficará mais evidente.
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