Web 2.0 e Literatura – um fracasso(?)

05/08/2012
 / 

Esse termo de interpretações tão amplas – a tal web 2.0 – costuma me fazer torcer um pouco o nariz, até pela imprecisão do seu significado, que dá margem a muitos usos. Mas vou me ater aqui ao mais comum (para minha experiência, ao menos), que envolve ações coletivas de comunidades de usuários online. Em tese, seria uma difusão de conteúdo autorizado, criticado e configurado por uma massa de usuários ou invés de um único ou pouco s indivíduos. Descrita como uma conectividade de “muitos-para-muitos” (many-to-many) em oposição à transmissão “um-para-muitos” (one-to-many). A representação soberana dos nossos sonhos de democracia. Será, mesmo?

Resolvi abordar o assunto com base numa impressão muito pessoal sobre a trajetória do Portal Literal. Surgido em dezembro de 2002, o site chegou a ser considerado por alguns como o mais importante portal de literatura do país. No ano de 2007, com o pretexto de descentralizar o foco que era centrado no tradicional eixo cultural rio-são Paulo, o portal passou por uma reformulação que fez um dos precursores, no Brasil, das possibilidades de interação do conceito Web 2.0. O conteúdo passaria a ser editato com a participação colaborativa dos internautas.

Eu conheci o Portal antes de 2007 e acompanhava com certa frequência as discussões, divulgação de textos, materiais sobre escritores brasileiros que me interessavam, oficinas online e concursos literários. Logo que o novo modelo começou a operar até achei muito interessante e submeti alguns textos. Mas não demorou muito para notar que se não desabilitasse a opção de recebimento de e-mails minha caixa de mensagens seria entulhada por pedidos de voto para textos de qualidade… digamos, duvidosa. Sim, havia coisas interessantes e bem escritas, mas o volume de textos lamentáveis crescia diariamente. Bastavam 20 votos de outros membros do portal para que o artigo, conto, poesia ou link fosse publicado e, à medida que um membro se tornasse mais participativo, seu voto passava a ter mais peso. Assim, era possível que um artigo, conto ou poesia de qualidade indubitavelmente baixa pudesse ser publicado e se manter na página principal por horas ou dias com base no voto de 2 ou 3 membros muito atuantes.

Por algum tempo houve um fórum onde alguns membros tentaram entabular discussões sobre assuntos relevantes, mas logo desistiram. Arrisco um palpite: ficou claro que uma parcela grande dos membros do Portal 2.0 queria apenas visibilidade e não tinha muito constrangimento em fazer escambo de votos. Ok, generalizações são sempre perigosas e antes que alguém aí devolva a suposta pedra, já vou dizendo que também submeti artigos e contos ao portal – inclusive nem todos obtiveram os votos necessários para serem publicados, já que meu talento para campanhas de marketing é bem limitado.

Com o tempo as matérias do grupo de editores do portal deixou de aparecer e o espaço ficou entregue à comunidade 2.0. Desisti, assim como certamente muitos o fizeram, de acompanha-lo. E isso nos interessa em quê?
Minha interpretação é de que, ao menos no caso do Portal Literal, o modelo foi testado, possivelmente avaliado e, por fim, abandonado. Certamente há outras opiniões sobre os resultados da experiência (e eu bem gostaria de conhece-las), mas eu a correlaciono um pouco com o cenário que pode se estabelecer no mundo das autopublicações em e-book. Já falamos muito aqui da necessidade de autocrítica e qualidade para estar no mercado, mas todos sabemos que o volume de porcarias (desculpe, não consigo aplicar nenhum eufemismo) já abundante, crescerá.

Quando caí de novo no Portal Literal dias atrás, por puro acaso, e fui me inteirar das mudanças, vi que o modelo colaborativo tinha sido deixado para trás. O texto que explica as alterações é polido em relação à fase web 2.0 e a aposta de futuro é nas redes sociais – o novo canal de interação com os leitores. O portal passa a colocar em primeiro plano a produção (e vida) de escritores da literatura brasileira contemporânea: Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Zuenir Ventura, Ferreira Gullar e Luis Fernando Verissimo.

Vi nesse movimento uma confirmação das minhas opiniões (tá bem, podem xingar de presunçosa) e fui buscar materiais que analisassem a questão da web 2.0 para não ficar apenas rodando em torno do umbigo dos meus palpites. Então encontrei esse material aqui.

O relatório do Centro de Pesquisas Educacionais e Inovação analisa diferentes aspectos do uso da tecnologia na educação e em relação aos ideiais e da web 2.0 e seu potencial de co-construção do aprendizado, o relatório é muito otimista, relacionando a opinião de diversos autores sobre o efeito motivador par ao aprendizado que esse modelo de interação teria. Entretanto, o relatório também aponta que essa ferramenta não tem tido uso consistente e proveito no ambiente escolar. Reproduzo aqui um trecho resumido:

A “desconexão digital” entre a retórica e a realidade do uso da Web 2.0 nas escolas foi demonstrada em um estudo no Reino Unido que teve como alvo escolas conhecidas por fazer uso das tecnologias da Web 2.0 (Luckin et al., 2009). […] O uso educacional dos instrumentos da Web 2.0 dependente da rigidez ou flexibilidade do currículo da escola. […].

O estudo relatou que, mesmo em escolas com altos níveis de uso da Web 2.0 na sala de aula, houve pequena evidência de investigação crítica ou consciência analítica, poucos exemplos de construção de conhecimento colaborativo, e pouca editoração eletrônica fora de sites de rede de trabalho social. Na melhor das hipóteses, ocorreram trocas de informações e conhecimentos, mais do que colaborações entre indivíduos. Isto, certamente, contradiz a retórica do “ethos da Web 2.0 de estabelecer e manter comunidades de aprendizagem colaborativa” (Crook e Harrison, 2008, p. 19).

Similarmente, os estudos recentes de construção colaborativa de wiki em escolas secundárias norueguesas mostraram como os alunos preferiram criar indefinidamente novas entradas à custa de editar e aprimorar a sua própria contribuição ou as de seus colegas de classe.

Depois há no texto uma série de análise que, me parece (o texto acadêmico não é muito excitante nem fluido, posso ter perdido algo…) querer atribuir ao suposto fracasso da web 2.0 em termos do seu potencial educacional ao modelo arcaico de educação por transmissão de conhecimento (ok, acho que tem muito aí para melhorar, mas será que o jeito que nos fez aprender o bastante inclusive para termos a tecnologia que hoje temos não mantém nada que mereça ser mantido?), aos professores “velhos” e incapazes de lidar com a tecnologia e estimular suficientemente os alunos a quererem realmente se aprofundar e colaborar e até à arquitetura ultrapassada das escolas.

Não sei, talvez eu esteja embotada por minha visão de mundo construída justamente num cenário de educação “top-down”, mas que nunca me tirou a possibilidade de escolher outros caminhos de aprendizado e leitura (exceto, talvez pelo preço dos livros e porque nasci quando a ditadura já começava a descambar). Então eu penso, será que nenhuma parcela do “problema” está na própria tecnologia 2.0 e no que seus usuários podem ou querem fazer?

 

  1. Cara Maurem.

    A sucessão de novidades advindas da internet (para aqueles que, como eu, são da geração pré-banda larga) é por vezes vertiginosa. Já abordei o assunto com o Alex, para quem a internet só patenteia o que estava antes oculto. Não discordo, mas procuro ver nesse mesmo âmbito uma tendência de liberação de impulsos antes reprimidos e que se beneficiam pelo anonimato das redes de relação… E então chegamos no tópico de seu post.
    Tenho já observado que há uma tendência exibicionista e irresponsável em certos usuários; para estes, certos sítios (tais como o famigerado Recanto das Letras) contribuem com seus sistemas falhos, estimulando assim a disseminação de superficialidades, das quais a prática do escambo se sobressai. Assim como você, creio que a ênfase vem de nossa nulidade que, qual um parasita com forte capacidade de adequação, se aloja sempre em diferentes ambientes e neles conseguindo impor sua presença. A internet e seus recursos é, em si, um advento assombroso… Mas eis que surge aquelas práticas abjetas tão conhecidas daqueles que olham com vistas críticas para o instrumento.
    Não ocorre assim com o (pasmem!) já obsoleto Orkut, onde um sujeito tem mais de cem “amigos”, mas com eles não entabula um diálogo consistente? Não ocorre o mesmo com o Facebook?

    Admito que pouco sei sobre o Web 2.0, e que por isso meu comentário aqui claudica… Mas pretendo pesquisar mais a respeito e saber se (como já começo a desconfiar) o sistema é o mesmo do Recanto…

    Abraço,
    Daniel

  2. Pingback: Paula Cajaty » Dicas (11.08.2012 a 24.08.2012)

  3. Pingback: Dicas (11.08.2012 a 24.08.2012) | Boletim Leituras

  4. O site Portal Literal que tanto cita no artigo não tem mais nada a ver com literatura, acessei e até achei que entrei num site que tivesse vírus, devido a tanto conteúdo estranho e duvidoso que encontrei por lá.

    Até seria mais seguro retirar o link que está no artigo, porque não existe mais nenhum vínculo com o que ele era antes..

Deixe um comentário

Chat via Whats (51) 98628-2293