Gostei muito da ideia que a Cosac Naif teve de divulgar algumas dicas de formatação e critérios de design usados nos seus eBooks. Estas reflexões sobre o design dos eBooks precisam ser mais divulgadas e incentivadas. É possível, desejável e fundamental pensar um design para o eBook, no significado mais amplo que a palavra possa ter.
Quando o fenômeno eBook explodiu e iniciou-se a falar do formato ePub como alternativa ao PDF, a reação dos designers foi (é ainda!) de ceticismo e de crítica. Ainda hoje, nos cursos que ministro, a primeira reação é sempre do tipo “Mas assim perdemos o design do livro!”. Minha intenção é mostrar exatamente o contrário. Um eBook precisa de um projeto gráfico especialmente pensado para ele. Os detalhes precisam ser repensados. A tipografia precisa ser repensada. Não basta “converter” o design do impresso porque papel e tela são dois suportes diferentes, com vantagens e desvantagens específicas. O conteúdo precisa aproveitar as vantagens do novo formato digital. Com o intuito de trazer a reflexão para o lado prático, gostaria de apresentar alguns cases a partir da minha experiência ao longo de 4 anos de atuação na produção de eBooks.
(Antes de mais nada, gostaria de lembrar que não estou dizendo que exista certo ou errado em um projeto para eBook. A reflexão que trago é sobre a importância de se projetar o livro levando em consideração o novo suporte de leitura, suas vantagens, seus limites e sobretudo a usabilidade.)
Os livros de domínio público se prestam bem à experiências tipográficas. Assim como livros de autores independentes, que ainda não possuem uma versão em papel, são também uma excelente oportunidade, pois nos permitem mais liberdade para (re)pensarmos o eBook sem a interferência direta de uma versão impressa.
O livro que apresento aqui é o Dom Casmurro, que em breve estará atualizado na Apple com a versão que apresento a seguir.
No início do projeto, foi necessário fazer algumas escolhas. Entre várias possibilidade escolhi de produzir no formato ePub3 e publicar somente na plataforma Apple (por enquanto). Estas escolhas se devem, muitas vezes, ao limite que as varias plataformas possuem. Mas enfim… todas as escolhas nascem do confronto com um limite!
A escolha do ePub3 foi feita sobretudo por motivo didático, para mostrar como este novo formato não é pensado somente para livros interativos, mas também para os livros simples de texto. A escolha da Apple foi ditada pelo fato que é a única que, por enquanto, vende efetivamente o ePub3. Em breve teremos a Kobo e o Google Play com as quais prossigo meus testes e irei apresentar aqui em outras ocasiões.
Muitas das coisas que indico aqui funcionam também em um ePub2, pois dependem mais da plataforma de leitura do que do formato (lembram da distinção entre Webkit e Adobe?). Em outra ocasião irei mostrar como este livro fica em ePub2.
Fiz a escolha de usar uma fonte embutida. Isto significa que o arquivo da fonte foi fisicamente incorporado dentro do ePub de modo ela seja usada em todos os aparelhos/softwares. Isto cria uniformidade entre as varias plataformas e softwares de leitura. Lógico, alguns softwares irão ignorar a minha fonte e é por isso que é bom acrescentar uma fonte de fallback.
Atenção! Eu recomendo o uso de fontes no formato OpenType por serem melhor compatíveis com os sistemas de leitura e por possuírem ligaduras tipográficas. É possível ativar dentro do arquivo este recurso.
Outra coisa fundamental: cuidado com os direitos de distribuição das fontes. Recomendo, quando possivel o uso de fontes Open Source ou fontes que permitam esta distribuição dentro do arquivo. No meu caso escolhi a fonte Feel Type que utiliza a licença de distribuição SIL Open Font. Além disto ela é OpenType e possui ligaduras tipográficas e algumas variações bonitas como a French Canon, usada no eBook.
Embutir a fonte não limita a liberade do leitor, pois ele pode sempre modificar, se quiser. Saiba que ele fará isso somente se a fonte escolhida for muito ruim ou se ele preferir o Verdana. Neste último caso não há nada que se possa fazer!
O modo mais comum de facilitar a individuação de um parágrafo é o uso do recuo na primeira linha. Existe também a possibilidade de aumentar o espaçamento entre um parágrafo e outro. O objetivo de ambos os métodos é de facilitar a leitura.
O recuo na primeira linha é o mais usado nos livros impressos porque economiza espaço. Imprimir custa caro e muitas vezes temos que obrigar o texto a permanecer dentro de um número específico de páginas. No eBook não temos este limite e portanto fica mais simples usar a segunda opção, ou seja, retirar o recuo na primeira linha e aumentar o espaçamento entre os parágrafos.
Se quisermos colocar um versalete, por exemplo, na primeira linha do texto, recomendo o uso da regra CSS (font-variant: small-caps;) que permite um versal elegante e automático. No meu caso eu especifiquei que toda a primeira linha seja em versalete. Assim quando estiver na horizontal o versalete vai permanecer somente na primeira linha mesmo quando esta mudar de tamanho!
Sei que nem todos os softwares de leitura reconhecem esta declaração, mas é uma especificação padrão do CSS! Creio que seja mais justo que os softwares melhorem do que termos que nivelar por baixo criando “falsos versaletes”.
Espaçamento entre os parágrafos e versalete na primeira linha do texto que se modifica automáticamente.
No caso do enfeite usado nos títulos é possível criar um PNG e acrescentar a imagem no codigo HTML.
Não foi porém o que fiz. Apliquei o enfeite diretamente pelo CSS usando um “background-image”. Este método dá muita flexibilidade, pois posso retirar ele quando estiver em um iPhone, mudar a imagem facilmente em uma nova edição do eBook, além de manter bem separado o conteúdo da visualização.
Com esta técnica posso preparar o arquivo para que ele consiga identificar o tamanho da tela onde o livro está sendo lido e, como consequência, proporcionar uma visualização especifica para aquele aparelho. Este recurso é facilemente implementado como uso de @media queries. Obviamente isto supõe uma projetação de um design para o eBook! Estas mudanças de design devem serem feitas sempre em vista da melhor experiência de leitura nos vários tamanhos de tela.
Quem lê em um smartphone quer praticidade. Como a tela é pequena, aqueles enfeites nos titulos podem criar mais problemas do que beleza. Retirei eles na versão para iPhone (isso vale para outros smartphones também), melhorei os espaçamentos e alinhei o texto à esquerda para evitar os terriveis espaços no meio do texto por falta de suporte à hifenização. Quando o leitor abrir o eBook no iPhone estas mudanças serão aplicadas automaticamente. São detalhes que deixam a leitura mais agradável.
Comparação entre a visualização no iPad e no iPhone. A mudança no CSS ocorre usando o @media query.
E visto que o livro é de domínio público porque não acrescentar algo a mais que deixe o eBook mais rico?
Decidi acrescentar no final do livro uma página com links aos melhores sitos sobre Machado de Assis, além de um link para todos os PDF do autor presentes no sito de Domínio Público do governo.
O formato digital permite atualizar regularmente o conteúdo e assim esta lista de links poderá ser ampliada e melhorada sempre que se desejar. Não custaria nada acrescentar nos nossos eBooks materiais complementares, como por exemplo fotos que não entraram na versão impressa ou outro material que ficou fora do projeto impresso por falta de espaço (e de budget!).
O sumário sempre foi fundamental para todo e qualquer livro. Continua sendo no livro digital. Porém podemos projetar ele de modo a ser ainda mais útil
Como disse anteriormente, acrescentei uma página no final do livro com os links para sites sobre o autor. No sumário, segundo a “lógica normal”, ela estaria no final, como último item, uma vez que a tendência é respeitar a ordem de apresentação do texto. Isto porém faz com que, por limite do software iBooks, o leitor que entra pela primeira vez no sumário não perceba este recurso, a menos de rolar o texto para baixo pelos mais de 150 capítulos do Dom Casmurro! Decidi então mudar a ordem e colocar o link logo no início do sumário. O leitor terá assim uma visão geral do que o eBook contém e poderá depois navegar pelos capítulos do delicioso clássico.
Outra escolha feita foi a de linkar a capa diretamente ao sumário. De fato quem abre o livro não verá a capa logo como primeira página. No software iBook este modo de visualizar a capa é feio, na minha opinião. Ela fica parecendo uma simples imagem dentro do livro. Colocando o link para a capa no sumário teremos a visualização em tela cheia. Na visualização em horizontal do sumário ela irá aparecer ao lado esquerdo deste.
Sumário do eBook com o link direto para a capa. Ao selecioná-lo a capa se abre em tela cheia.
Modifiquei também a posição dos créditos que na versão anterior do livro estavam no final do livro. Um leitor atento me escreveu pedindo informações sobre a fonte usada para o texto, que no caso de livros de domínio público é importante conhecer. A partir disto percebi que esta informação, mesmo estando no livro, estava muito escondida. Colocando os créditos logo no início “obrigo” o leitor a dar ao menos uma olhada rápida.
É muito difícil encontrar informações certas e precisas sobre as fontes usadas para os texto que estão em domínio público. É uma pena, porque um patrimônio assim deveria ser melhor conservado. Machado de Assis é um dos pouco onde a referência à versão da qual o texto foi digitalizado é de fácil acesso. Para os outros autores é preciso sair garimpando informações, ou digitalizar diretamente os textos, colocando assim a referência correta.
Como disse antes, este case é um fruto da nossa experimentação, com a intenção de dar ideias e servir como incentivo a um trabalho mais atento na produção dos livros digitais. Em breve trarei outros exemplos, com imagens para ilustrar as escolhas feitas durante a criação do projeto gráfico para o digital.
Para quem está iniciando a produção de livros digitais lembro que todas as escolhas que vocês fizerem serão discutíveis e com certeza passíveis de serem melhoradas. Mas elas devem serem tomadas de forma consciente pensando sempre no que é melhor para o leitor! Creio que a missão dos designers é oferecer soluções agradáveis e práticas levando em consideração os limites técnicos impostos pelas várias plataformas de leitura.
Você encontra o livro do Dom Casmurro, usado para este artigo, grátis na iBookstore.
Fernando,
há possibilidade técnica de a hifenização ser implementada daqui a algum tempo? As editoras e desenvolvedoras têm debatido a questão?
Testei os aparelhos da Kobo e Kindle e não comprei nenhum deles porque achei que a leitura fica ruim sem hifenização.
Por enquanto, tenho uma visão bem cética do livro em linguagem digital: acredito que a venda e o feitiche por gadgets estão ditando o novo mercado, ainda mais em um país com poucos leitores, enquanto a experiência da leitura está sendo esquecida. Tenho a impressão que faltam editores e sobram vendedores nesse mercado.
Um abraço,
Bruno Brigatto.
Oi Bruno. Alguns softwares já implementam a hifenização, como o Adobe Digital Edition. Aliás, neste caso é dinâmica e adapta-se à largura da tela. Para fazer isso o software precisa de um bom vocabulário.
Eu acredito que é um problema que será resolvido logo. Em todo caso é possível acrescentar manualmente hifenização condicional nas palavras longas usando o soft hyphen (http://en.wikipedia.org/wiki/Soft_hyphen).
Sobre a questão da leitura em digital na realidade ela já está acontecendo, afinal você lê muito texto em tela. A unica diferença é que são textos breves e não um romance ou algo mais complexo.
Concordo com você que tem muito vendedor e pouco editor atento à esta nova realidade.
Fernando, agradeço pela indicação dos softwares. Eu edito uma série de livros acadêmicos cujo projeto gráfico foi pensado para o iPad, mas ainda em PDF. Conseguimos com esse formato um bom resultado gráfico mas perdemos a oportunidade de aproveitar as possibilidades de outras linguagens.
Não tinha pensado em quanto a leitura digital já está presente em nosso cotidiano, esse é um ponto importante em que pensarei a respeito, tanto como editor quanto como leitor.
Meu post trouxe críticas e acabei me esquecendo de parabenizá-lo pelo excelente trabalho com o Dom Casmurro. Se tivesse iPad, certamente iria comprá-lo, gostei do resultado. Fiquei incomodado com os comentários na App Store de gente reclamando sobre a não gratuidade do livro, ignorando que a obra não é somente o texto, que tem um trabalho pensado para trazer uma experiência de leitura melhor. Espero que trabalhos como o seu sejam percebidos e valorizados, e que o livro digital possa aumentar o número de leitores em nosso país.
Fernando, muito boa sua reflexão. Continue compartilhando suas experiências, pois são de grande valia, especialmente para quem tem dado os primeiros passos nessa área e percebe a carência de literatura sobre o assunto. Parabéns!
Muito bom!
Fernando, achei muito interessante as informações postadas. Acredito apesar de anos de leitura em tela nós (designers) esquecemos de questionar sobre a experiência de leitura. A mesma resistência que faz com que alguns leitores não se permitam a leitura de eBooks me parecem afetar também aos profissionais que produzem este tipo de livro. A não utilização do aumento de fonte para contornar uma tela pequena ou um enfeite que não se faz útil em determinados dispositivos, não por uma inviabilidade tecnológica, apenas porque prejudica a leitura.
Devemos analisar se a passagem do livro impresso pro digital será uma adequação, conversão ou uma nova interpretação do livro. O que muitas vezes pode fazer com que apenas a capa seja semelhante.
Pra finalizar, eu tenho uma questão: como você está vendo a ‘morte’ de itens como a lombada, 4ª capa e orelhas… pra não falar em verso de capa.
Oi Hoton.
Sobre a questão do desaparecimento da lombada, 4ª de capa e orelhas, antes de mais nada seria interessante analizar como estes itens evoluíram no impresso. Se você entrar em um biblioteca antiga e nem tão antiga assim, vai notar algumas coisas interessantes, como por exemplo, o fato que a capa nasce como simples sistema de proteção das páginas. Algumas sequer possuem o título da obra, que está somente na lombada.
A presença do título na lombada justifica-se pelo fato dos livros serem armazenados em pé e um ao lado do outro. Justamente, o livro o título na lombada facilita muito encontrar o livro. Há poucos anos capa, lombada e orelhas tornaram-se elementos de marketing.
O que quero dizer? Que estes elementos evoluíram com o uso e a difusão do livro. Exatamente o que continua acontecendo no livro digital!
A lombada não serve porque não temos armazenamento do livro em forma fisica, a contracapa também não serve, pois ela não precisa proteger nada no livro. O texto e as imagens presentes em uma 4ª de capa servem como elementos de marketing, para incentivar as pessoas a comprarem o livro. Estes elementos permanecem no livro digital, por exemplo nas lojas, na descrição do livro.
As orelhas, com o resumo da obra e a vida do autor também servem como elementos de marketing e podem ser usados por exemplo em uma versão de amostra do livro digital. A versão de amostra de um livro digital é um elemento muito importante no marketing e deve ser pensada melhor.
Por fim, acredito que uma capa de eBook precise de mais capricho que uma capa impressa pelo fato que na capa impressa eu tenho a ajuda do elemento fisico, sensitivo, ou seja, posso tocar a textura do papel usado e sentir o relevo das fontes. No digital preciso trabalhar melhor com o visivo.
Pingback: Dicas de formatação de ebooks | Ler ebooks
Muito util para novatos e profissionais. parabéns. jorge
OK, texto interessante, obrigado.
Boa Tarde,
Existem normas técnicas para elaboração e/ou formatação de um e-book?
Estou construindo um e-book educativo para minha tese de mestrado e preciso de uma padronização e suas regras. Mas não estou encontrando… Poderia me ajudar?
Grata,
olá, tenho um livro pronto e quero vende-lo.
Qual seria a forma de trabalho de vocês ?
Oi Marcos. Na página inicial do site (https://simplissimo.com.br) você encontra todas as informações sobre como trabalhamos e nossas formas de trabalho. Abraço