Ontem o Publishnews destacou o lançamento dos ebooks de Harry Potter sem o DRM tradicional, que bloqueia arquivos, impede o uso em qualquer aparelho e provoca raiva em consumidores diariamente. Ao invés da solução “tradicional” (e muito ineficiente) contra a piratara, JK Rowling lançou ebooks com marca d’água, ou Social DRM.
A ideia é bastante simples e nada hi-tech: cada eBook vendido contém uma marca com informações sobre o comprador. Se a cópia adquirida for distribuída ilegalmente e identificada, a marca d’água revelará o provável “pirata” por trás da ação. Explica a Pottermore: “a Loja Pottermore personaliza eBooks com uma combinação de técnicas de marca d’água que se referem ao livro, ao comprador ao horário da compra. Isto permite rastrear e responder a possíveis infrações de copyright”. No caso de eBooks adquiridos para dar de presente, as cópias conterão as informações da pessoa presenteada.
Eu e a Camila Cabete, consultados para a matéria, concordamos que essa decisão de vender eBooks do Harry Potter sem DRM, mas com marca d’água, vai influenciar muita gente no mercado. Muitos editores pensam em usar um recurso assim, para diminuir as queixas dos leitores, mas nunca tiveram um empurrão… o empurrão demorou, mas veio.
Será que inserir dados pessoais do comprador em cada eBook é uma violação de privacidade? Peter Cox, agente literário que mantém uma coluna no site Futurebook, apresenta alguns questionamentos para a autora de Harry Potter…
1) Estou um pouco confuso – marca d’água não é DRM com outro nome?
2) Como você vai aplicar sanções anti-pirataria contra os infratores? Você vai processar eles? Se não, para que serve, realmente?
3) Quem você de fato irá processar? Marcas d’água digitais não revelam quem pirateia o livro – elas dizem que pessoas compraram o livro. Existe uma presunção de culpa do proprietário (ou seja, eles são o pirata por padrão) se a sua cópia do livro se encontra em algum lugar que não devia ser, por exemplo, um torrent?
4) Tem certeza de que a incorporação de informações de identificação pessoal no próprio livro é uma boa idéia? Não há questões de privacidade irritantes?
5) Você não está enviando uma mensagem confusa para os seus fãs? “Eu confio em você – mas não muito”. Não tanto, por exemplo, como Trent Reznor ou Cory Doctorow [autores americanos que vendem eBooks e músicas sem nenhum DRM, com sucesso] confiam em seus fãs. Ou, pensando bem, não tanto como Amazon confia em qualquer dos seus clientes de MP3.
6) Seu banco de dados de clientes acaba de se tornar o ne plus ultra dos hackers, em seus sonhos mais tórridos?
7) E, finalmente… Quanto tempo você acha que terá até alguém lançar uma ferramenta “de-watermarking”?
O que o Peter Cox não entendeu ainda, aparentemente, é que eBooks são feitos e vendidos, em última instância, por pessoas. E estas pessoas, autores, editores, entre outros, ainda não estão preparados, intelectual e emocionalmente, para vender cópias digitais sem qualquer proteção. A grande maioria, pelo menos. Muitos não entendem o digital, e querem se agarrar a uma (falsa) sensação de controle ao entrar em um mercado que não compreendem. Ok, estou parecendo meio psicologista com esse argumento, mas vejo isso diariamente quando converso com editores e troco emails com clientes… pelo menos no Brasil, a coisa está nesse nível.
Por outro lado, os argumentos dele são bem sólidos… Social DRM não vai impedir a pirataria, e se o objetivo é processar alguém, pode dar errado. Se um eBook for comprado com um cartão de crédito roubado, e esse eBook fosse pirateado, seria inútil processar o dono do cartão… e o pirata continuaria invisível – bem, os piratas fora do Brasil, porque os piratas brasileiros se exibem publicamente e com orgulho…
Nesse sentido, o Social DRM é uma evolução… ainda longe de ser o melhor cenário, mas uma posição intermediária entre o DRM falho da Adobe, e a ausência total de qualquer “mecanismo de proteção”. Para autores/editores, a marca d’água dá uma sensação de controle, sem precisar atrapalhar a vida das pessoas que querem ler o eBook no aparelho/aplicativo que bem entenderem.
A marca d’água é ineficaz, uma cócega contra piratas contumazes? É óbvio que sim. Mas pelo menos poupa a paciência e o tempo de quem compra livros honestamente. Com um bônus adicional: ainda eliminaria R$0,40 centavos de custo em cada eBook vendido, que é o custo cobrado pela Adobe para adicionar o DRM tradicional nos eBooks…
Parabéns pela qualidade das matérias, o blog está cada vez melhor. DRM Social pode ser só um paliativo, mas é realmente uma solução psicológica que pode livrar os leitores de incomodações e limitações pra poder ler seus livros, e a Apple já usa este mesmo DRM em suas músicas. A única diferença é que somente é possível ver os dados (e-mail e nome) se a pessoa entrar com seus dados de login no itunes e clicar em “obter mais informações” sobre a música comprada. Com este sistema, a Apple também autoriza que as pessoas dêem as músicas que não querem mais a alguém, mantendo os dados do comprador original.