Com a discussão sobre o SOPA, as leis antipirataria espanholas e o crescimento do mercado de eBooks, a pirataria é um assunto muito comentado no meio editorial. Se antes, com os livros impressos, isso já era um problema, imagine agora, com os livros digitais. Um artigo muito interessante foi publicado ontem no site FutureBook, onde Martyn Daniels fala bastante a respeito e explora os pormenores que podem levar à pirataria. Segundo ele, são muitas as leis, os processos, as punições e as multas para impedir esse problema, mas como podemos ver há anos, nenhuma dessas “soluções” parece ter funcionado, uma vez que os índices de pirataria só aumentam e ninguém parece inibido com isso. As proteções como o DRM também pouco adiantam, pois podem facilmente ser quebradas por alguém com conhecimento básico de internet. Por isso, ele montou a lista:
As questões que colocamos não são destinadas a resolver a pirataria, mas tentar compreender o que a impulsiona e ao fazê-lo, olhar para formas alternativas para conter, ou reduzi-la. De muitas maneiras, é um problema social semelhante a outros, tais como, drogas, jogos de azar, bebida e prostituição. Quais são algumas das causas que estão alimentando o hábito da pirataria digital atual?
No mundo todo (e temos a impressão de que aqui no Brasil é ainda maior), a tentação pelo gratuito é enorme. Para quê gastar dinheiro quando está lá, disponível sem pagar nada? Daniels afirma que o Napster não criou a cultura do gratuito, mas a impulsionou, e quando esse serviço e outros passaram a cobrar pelos arquivos, não soube trazer o público que já estava acostumado a ter tudo de graça.
“Acreditamos que as pessoas estão dispostas a pagar e também reconhecer a necessidade de apoiar o talento criativo. No entanto, também reconhecemos que a maioria das pessoas que pelo “livre” não estão indo embora.” disse ele. E isso é verdade. Uma pesquisa feita em novembro do ano passado e divulgada ontem no site The Register mostra que pessoas acima de 65 anos não compartilham seus arquivos, mas que 4% dos mais jovens fazem isso. É algo que está na cultura de uma geração.
Jovens de até 30 anos cresceram com o livre, com o gratuito, e aqueles que mexem bastante com internet ao longo do dia já possuem as “manhas” para conseguir arquivos sem precisar pagar por eles. Mas esse número da pesquisa também mostra que a maior parte das pessoas faz download de arquivos piratas, mas não faz o upload:
A pesquisa descobriu que 46% das mais de 2 mil pessoas entrevistadas havia se envolvido em pirataria, com este número subindo para sete em cada dez pessoas com idade entre 19 a 27 anos. Mais de dois terços dos entrevistados compartilham música dentro da família ou amigos, e mais da metade partilha conteúdo de vídeo no mesmo grupo. Mas quando se trata de material de upload, no entanto, o apoio cai radicalmente.
O fair use, de acordo com a Wikipédia, é um conceito da legislação dos Estados Unidos da América que permite o uso de material protegido por direitos autorais sob certas circunstâncias, como o uso educacional (incluindo múltiplas cópias para uso em sala de aula), para crítica, comentário, divulgação de notícia e pesquisa. Outros países têm leis semelhantes, porém sua existência e aplicabilidade variam de país para país. A doutrina do fair use segue um teste de quatro fatores:
Esse uso, como dito, se dá apenas nos Estados Unidos. Aqui no Brasil a lei (9.610/98) é um pouco mais complexa, e pode ser conferida também na Wikipédia. É quase a mesma coisa, mas com mais restrições.
Ainda assim, esse é um problema. Daniels explica que esse “direito” pode causar confusão ao usuário, que pode não ver limites no uso do conteúdo. O Creative Commons (veja mais a respeito aqui) é uma solução que tem funcionado bem na internet, mas ainda assim os limites são bem tênues. Ainda não há regulamentação correta (ainda mais pela internet ser uma coisa mundial) para a quebra das regras do CC, então se uma pessoa atribui proibição de uso comercial, nada impede que alguém use o arquivo para isso.
Aí está o vilão e o mocinho. Precificação de eBooks é como matéria escura em Astronomia, uma ciência incerta, que ainda não pôde ser completamente comprovada, não há teses claras de como funcione. Existem casos de sucesso e de fracasso em todos os níveis de preços, dos mais baratos aos mais caros. Qual o preço ideal de um livro digital? Quanto as pessoas estão dispostas a pagar? Deixá-lo muito barato ou muito caro faz o eBook perder o valor?
Daniels aponta um fato interessante, que ocorre aqui no Brasil também. Dar bons descontos em livros impressos e jogar o preço dos eBooks lá em cima, em uma estratégia para manter o marcado do pbook funcionando. Eu mesma já adquiri um livro físico por aqui que, junto com o frete, custava mais barato do que sua versão digital. Isso é contraproducente.
Nos Estados Unidos um outro problema é o preço de agência, um valor fixo que algumas editoras – principalmente as Big Six – estão impondo aos seus eBooks, deixando-os com pouco desconto em relação aos impressos. Aí a coisa não vai mesmo!
Um problema similar ao preço. Aqui no Brasil não há ainda lei aprovada para o imposto sobre os eBooks. Mas os aparelhos eletrônicos, por exemplo, ainda são altamente taxados, fazendo com que um simples eReader chegue a custar R$800 por aqui. No resto do mundo, a bagunça ainda é muita. Na Europa, vários países estão decidindo o valor dos impostos sobre eBooks, que costumam ficar bem acima dos livros impressos.
Abertamente, os governos reduzem o imposto sobre os livros impressos para promover a leitura, enquanto taxam eBooks para aumentar a receita. Estão os governos e autoridades fiscais na verdade estimulando a pirataria com os impostos que são claramente inconsistentes entre a entrega física e digital da mesma obra? Impostos têm que ser levantados e alguém tem que pagar, mas ninguém gosta de ser roubado. Quem pode justificar uma diferença de imposto de 20%?
Os governos têm de perceber que a economia é agora global, a transparência digital é real e a dualidade de critérios irão conduzir muitos à pirataria. As associações de mídia deveriam educar o governo a pensar sobre suas ações negativas sobre o imposto.
Daniels está correto. Também é preciso um incentivo do governo para impulsionar o livro digital. Impostos mais baixos já seriam uma ótima ideia.
Quando você baixa um arquivo pirata, ele é “seu”. Com isso quero dizer que você pode colocá-lo em quantos dispositivos quiser, compartilhar com um familiar e nenhuma editora ou loja virtual terá o direito de tirá-lo de você. Você pode becapeá-lo também. Em resumo, você faz o que quiser com ele, pois é seu.
Com eBooks comprados, a dúvida sempre fica. E se a Adobe resolve parar de desenvolver a tecnologia de seu DRM, como você irá passar ua extensa biblioteca digital para outros aparelhos? E se você quiser emprestar o eBook para um amigo? E se a loja decide que não podia vender o livro e simplesmente some com ele de seu computador?
Quando pagamos, gostamos de ter a sensação de que possuímos o objeto comprado, a não ser que o esquema seja de assinatura, como o Netflix para vídeos e o Spotify para músicas. Aí entramos sabendo que estamos “alugando” as mídias, e que quando pararmos de pagar, não teremos mais direito a nada. Mas é por isso que assinaturas são bem mais baratas.
Daniels finaliza:
Usuários querem “possuir” seus arquivos e até mesmo vendê-los. Se isso não for reconhecido, então nem coloca pressão sobre o preço pago, ou gera a pirataria. Devemos olhar para o ‘on demand’ e modelos baseados em nuvem licença, como o usado por Spotify e Netflix.
As questões que orientam a pirataria não são simples e são mais sobre economia social. Reprimir os traficantes de pirataria é compreensível, mas não está aguentando a demanda e as ações necessárias para mudar o comportamento social. Quando reclamamos sobre o nível de pirataria e sua aparente perda estimada de receita, talvez devêssemos nos perguntar o que poderíamos aceitar como aceitável e trabalhar no sentido de monitorar e manter isso. A abordagem de tolerância zero para a pirataria pode muito bem resultar em mais e não menos.