Pirataria a gente reconhece num instante, para quem vive de livros, é o próprio Capeta. Compartilhamento é algo mais complexo. Parece pirataria, provoca calafrios, mas estudando bem de perto se vê que é algo diferente. O legítimo patinho feio da história.
Saiu hoje no Publishing Perspectives um artigo muito interessante do Edward Nawotka, com o provocativo título Does E-book Sharing Create Economic Damage?. E logo na primeira linha, ele fez a distinção fundamental, que frequentemente passa batida entre o pessoal do setor editorial:
“Medo da pirataria é uma coisa, mas medo de compartilhamento?”
Conceitualmente, pirataria significa vender ou distribuir algo sobre o que não temos direito, sem pagamento dos direitos autorais, de marca ou propriedade intelectual. Vale para mídia digital, produtos e bens materiais, bebidas, cigarros, medicamentos… uma variedade de itens que podem ser roubados e/ou falsificados.
Compartilhamento é aquilo que se faz desde tempos imemoriais. Fulano compra um livro, empresta para Beltrano e Ciclano, alguns anos depois seu filho Fulaninho também lê, empresta para mais alguém. É uso limitado, restrito. No caso dos livros, especialmente, compartilhamento é algo enraizado na cultura da humanidade. Poderia existir cultura sem o compartilhamento de livros?
Não é à toa que muito Capeta, digo, pirata, insiste em afirmar que na verdade apenas faz “compartilhamento”… ele sabe que compartilhamento é algo inocente. O Capeta tenta se disfarçar de vítima.
Que posição se deve tomar frente ao compartilhamento de arquivos, de livros digitais?
A cada dia que passa, fica mais evidente que o remédio não passa pelas restrições aos consumidores, individualmente. DRM, proteções contra pirataria… bolas fora. A solução passa por integrar e aproximar esses consumidores de quem faz e vende o livro, estabelecer uma relação de respeito com eles. Uma relação de amizade, mesmo. Não precisa reinventar a roda. É só fazer o que se fez a vida inteira. As livrarias precisam atender bem, entregar o produto na hora, ajudar a localizar uma edição. Tratar bem o cliente. Enxergar o cliente. As editoras precisam entregar um conteúdo caprichado, edições sem defeitos, livros bem acabados. É mais difícil fazer isso pela Internet, é mais complicado? Verdade. Mas um brasileiro não desiste nunca.
Os piratas brasileiros conseguem manter uma interlocução direta com suas “comunidades”, suas bases de usuários que baixam conteúdo ilegalmente. É só observar suas comunidades, seus fóruns… no Brasil todo mundo fica sabendo exatamente quem viabiliza a coisa. E os usuários são gratos aos seus heróis, justiceiros que libertam o conteúdo aprisionado pelas livrarias e editoras… O pirata é um amigo, um igual, uma pessoa de carne e osso que facilita a vida do usuário. Não é o justamente isso que todos queríamos encontrar, nas empresas que atrapalhanm nossa vida? Alguém de carne e osso e com poder de resolver os nossos problemas?
Bloquear o acesso do usuário ao seu livro, impedir ele de compartilhar com alguém próximo, é uma agressão contra os hábitos e os costumes dos usuários/consumidores. O pirata de mídia digital ganha simpatia, simplesmente por eliminar a agressão do processo. Faz sentido continuar tratando os piratas como Capetas, mas tratar os consumidores como patinho feio… isso não tem sentido.
Finalmente um post que dá vontade de comentar. Parabens! Desde que o e-book virou uma realidade que eu leio matérias a respeito de pirataria e formas de restringir o poder do leitor sobre o livro, como se quem lê fosse um vilão inescrupuloso que está aqui para roubar o lucro das editoras, livrarias e escritores.
Se assim for, os sebos e as feiras de troca de livros já praticam pirataria há milenios e nenhuma editora, livraria ou escritor padeceu por causa disso. Pirataria é ruim? é, sem duvida! mas é bom que se deixe claro o que é pirataria e o que é compartilhamento. E vc tem razão. O pirata só ganha espaço porque ele facilita a vida do leitor.
Parabens pelo texto.