O Estadão publicou em 04/01 um editorial sobre a situação crítica da Biblioteca Nacional, responsável por preservar o acervo literário do Brasil. O editorial reforça matérias da Folha de SP, resumidas na coluna do Elio Gaspari (“Duas Bibliotecas”) de 23/12 – o ar-condicionado não funciona e salas chegam a 50ºC, cupim infesta o local, infiltra água quando chove forte, uma grade despencou do 5º andar do prédio… enfim, o prédio da Biblioteca Nacional está caindo aos pedaços. A atual gestão, desde janeiro de 2011 responsável por gerenciar a biblioteca e seu acervo, é acusada de virar as costas para a função primordial – cuidar da biblioteca, para tratar de questões relacionadas ao mercado do livro, por exemplo. Várias fotos e uma descrição precisa dos problemas podem ser vistas aqui.
Esta é a principal biblioteca pública do país, aquela que deve servir como referência para as demais. O que podemos esperar, como cidadãos, de um país que trata desta forma a preservação da sua memória? Pouco, muito pouco. Que orgulho para uma cidade, para um país, poder exibir a Biblioteca Nacional como um ponto de referência, parte viva e atuante do país. Os gestores da BN só esqueceram que geren
ciam, principalmente, um prédio e um acervo, não uma repartição do Ministério da Cultura.
O livro digital, longe de ajudar a resolver esse problema, só complicará a situação da Biblioteca Nacional. Como esperar que uma instituição, em tal estado de precariedade, incapaz de cuidar até das suas atribuições mais básicas, tenha condições de se preparar para o futuro? De nada adianta digitalizar uma minúscula fração de um acervo enorme, que soma 9 milhões de títulos e recebe 100 mil novos itens anualmente. As bibliotecas de ponta, no mundo inteiro, emprestam livros digitais para os seus frequentadores. Algumas (não só a de NY) até vendem eBooks, para leitores que queiram ficar com a sua cópia. Agora imagine o investimento em organização, planejamento, tecnologia, capacitação, pessoas, para que algo assim seja possível na maior biblioteca do Brasil. Imaginou? Então você viu que não há a menor chance disto acontecer nesta década.
O Brasil, ironicamente, é o país em que as melhorias dificilmente saem do papel. A Biblioteca Nacional, do jeito que está, parece fadada a se tornar o símbolo do nosso atraso estrutural, tecnológico. O Brasíl é a 5ª ou a 7ª economia do mundo, que tal compararmos a nossa biblioteca com a dos países que rivalizam economicamente com Brasil? Será que as outras bibliotecas nacionais têm ratos devorando o acervo? Aeroportos, linhas de transmissão de energia, nada chega perto da humilhação a que um país se sujeita, abandonando de maneira vergonhosa a própria memória intelectual e a sua história.
Em Porto Alegre, a Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul, a principal do Estado, está fechada desde 2009 para reformas. Uma parte do acervo foi estocada e outra parte segue à disposição imediata ao público. Comparativamente, a biblioteca do RS é muito menor que o da Biblioteca Nacional, e o seu estado de preservação, embora ruim, nem de longe era tão precário. E já são 4 anos fechada para reformas. Pelo ponto em que a situação está, uma reforma séria só será possível se fechar a Biblioteca Nacional por uma década ou mais. A verba de R$ 70 milhões, para reforma emergencial, de qualquer jeito, será só uma maquiada para tapear os problemas, ao invés de resolver alguma coisa – me vem à cabeça a imagem de alguém no SUS receitando aspirina a quem precisa de cirurgia. O governo que gasta R$ 1 bilhão para construir estádio de futebol, não abre o bolso para preservar séculos de história.
Os funcionários da Biblioteca Nacional são verdadeiros heróis, por manterem a Biblioteca Nacional funcionando, mesmo com tantos problemas. O prédio da Biblioteca Nacional não foi planejado para abrigar tantas obras como possui hoje. É mais do que óbvio que é preciso replanejar o armazenamento de boa parte do acervo, que precisa ser deslocado e armazenado de forma fixa em outro local. Só que uma reforma de verdade, estrutural, exige organização e esforço por vários anos. E reforma assim não rende votos, não rende holofotes. Faltam pessoas responsáveis, comprometidas em legar algo para quem vier depois de nós. Intenções e projetos mirabolantes, atraem muito mais atenção da mídia. A Biblioteca Nacional é mais uma vítima da escassez de gente responsável, que o nosso país atravessa. A Biblioteca ficará presa ao passado, por conta da incompetência de uma legião de burocratas, sanguessugas, parasitas e oportunistas, que sugaram a teta até secarem a vaca.
Que lixo…depois vem os demagogos querendo que os novos autores comecem investindo e sonhando com o mercado brasileiro….