Dizem que a melhor escola é a vida, pois ela ensina tudo aquilo que nós nos propomos compartilhar com ela.
Na vida de escritores – hoje falo como um deles que fez das telas de e-Ink e de LED suas companheiras inseparáveis – também a vida ensina muito. Mas há algo bastante peculiar que se chama “impulso de escrever”.
Sobre isso, teria páginas e páginas para falar, porque escrevo até hoje por impulso, e talvez seja assim até o final da vida, quem sabe.
Quando comecei minha, digamos, carreira literária – naquele momento nem pensei uma coisa dessas -, eu só queria escrever, e as histórias surgiam à medida que me colocava disponível para tal ato. Sentia todas as emoções aflorarem e realmente chegava ao êxtase com facilidade.
Mas esse prazer foi rareando porque o trabalho de escrever de modo consistente exige outros atributos, e daí foi que foi preciso que buscasse novos horizontes, e os cursos que fiz foram fundamentais para mostrar o caminho que me esperava pela frente.
É uma jornada. Uma jornada do herói. Exatamente como a conhecemos simbolicamente, de modo arquetípico por assim dizer. É preciso sair do “mundo comum” e conhecer as surpresas que nos esperam no “mundo especial”. E a somatória de conhecimentos adquiridos ao longo dessa jornada é que vai fazer toda a diferença na vida de um escritor.
A Jornada do Herói (com letras maiúsculas) é um estudo simbólico da própria narrativa, do que ela tem de essencial em sua energia condutora, pois ela é de fato um fio condutor gerador de eletricidade. É quando um escritor busca transpor barreiras, e é neste instante que decodifica de seus ares inspirativos o que deve se “fazer” presente na história, mas é esta que cuida de se ajustar na mente do escritor para se fazer presente, uma vez que, em realidade, a sensação que tenho é que o escritor só cuida de ser um instrumento desse processo de gerar as histórias.
É bastante provável que por ter estudado e passado por áreas como literatura, teatro, cinema e tevê, eu tenha compreendido os meandros de uma narrativa, e talvez por conta de ter escrito um livro no qual propunha montar uma história para tevê ou cinema a partir de conhecimentos sobre a personalidade freudiana (os básicos id, ego e superego), é que tenha me preparado para um novo voo, que foi passar a escrever para a mídia do eBook, o livro digital. (+ sobre o livro “Dupla Personalidade para um Roteiro”, de Felipe Moreno)
Esta nova experiência deu surgimento à série de literatura de ficção digital “PSICOR, os tipos de caráter em ação”, que são novelas breves (em 10 capítulos) inspiradas nos tipos de personalidade do Eneagrama, cujo sistema fala de 9 grandes tipos de caráter.
A esse respeito, reproduzo o que disse na entrevista à recém lançada Revista Digital Letras Criativas: “Conheci o Eneagrama faz mais ou menos uns 10 anos. Talvez um pouco mais. E gostei tanto de conhecer os tipos humanos que o sistema dessa filosofia falava, que não tive como não identificar aqui um manancial para a minha literatura. O Eneagrama fala de nove grandes tipos de caráter que guardam propriedades muito particulares e universais. Daí que pude ver minha mãe, esposa, amigo, amiga, primo, e por aí afora na minha frente, com cara, personalidade e jeito próprio, inclusive eu. Foi bastante empolgante descobrir tudo isso. Realmente um fato novo que acabou por criar um espaço novo em minha vida, pois daí quis escrever sobre os tipos, fazer literatura, e daí veio a ideia da série, do modelo “decapitular”, do formato eBook… Tudo isso chegou sem pedir passagem e foi se enfronhando em minha vida de escritor. E em pouco mais de um ano para cá, já foram seis novelas publicadas em suporte digital, o que mostra o quanto não apenas eu gostei de escrever esse gênero, mas também o quanto de potencial existe nesse conjunto que acabei de citar.” (+ sobre os eBooks da série PSICOR na Livraria Letras Criativas )
Resumidamente, a proposta a que tenho me dedicado para escrever histórias para eBook baseia-se em um modelo de 10 capítulos. Batizei-o de “modelo decapitular” e é através da figura de um personagem de ponto de vista que percebo a existência de “links” com as energias de uma ainda prévia “Jornada do Herói”. Estão nas sutilezas dessas energias arquetípicas que podemos “escolher” o que mais se ajusta ao processo da história, porque, mesmo estando no “comando”, o autor cuida de ver a própria história ajustar o que nela se fará presente.
Longe mesmo de ser uma receita de bolo. Em criação literária fazemos bolos de “n” formas, mas o mais importante aqui é conhecer ao menos algumas dessas formas. No caso do “modelo decapitular”, conhecer o que une personagem e sua história dentro de uma moldura temporal que será ainda construída ao longo de breves capítulos, os quais podem trazer ao leitor uma proposta de duração relativamente curta.
Aliás, esta é uma questão importante: a duração. Quando penso em duração, penso em vivência subjetiva de um leitor, que vai variar de acordo com a receptividade de cada um que experimente ter essa vivência. É preciso criar identificação e, ao mesmo tempo, tentar conduzir a história adiante, pois é assim que ela se fará de verdade.
É isto que em ficção audiovisual chamamos de “tempo interior ou dramático”. Algo que é de grande importância, pois é dessa vivência subjetiva que podemos extrair a própria essência de outro tempo: o cronológico, o que dura para ler um livro.
Vivenciar uma nova mídia é muito gratificante. O formato mais conhecido do eBook, o ePub, ainda é um suporte em desenvolvimento, sendo muito provável que um escritor que domine diferentes linguagens possa se prevalecer dele de modo ainda mais amplificado.
Isto porque muitos roteiristas poderão escrever para este formato, podendo criar peças híbridas com textos, imagens, vídeos, áudios, hipertextos, entre outras possibilidades, criando quem sabe verdadeiros espetáculos a um toque do leitor, espectador, ouvinte, claro que nem tudo ao mesmo tempo. Mas quem estiver mais apto e mais preparado, citando Darwin, certamente poderá conseguir grandes feitos nessa mídia ainda em desenvolvimento e expansão.
O ideal é nos manter conscientes de que estamos construindo um novo conhecimento que se chama “convergência”. Temos possibilidades de usar diferentes conhecimentos de várias artes e aplicarmos à lógica racionalista da tecnologia. Mas para escrever bem e de modo consistente será preciso também uma boa dose de “divergência” – aqui no sentido de ver os diferentes caminhos e possibilidades de pontos de vista. Isto na verdade é a essência dessa proposta que batizamos de modelo capitular para criar histórias em formato ePub.
De receita mesmo fica aquela que todos nós conhecemos como os alimentos básicos para se obter uma boa escrita: fazer da leitura e da escrita pão e água de nosso sustento espiritual.
Confira um vídeo sobre o assunto:
httpv://www.youtube.com/watch?v=0NHBV5wT4Mk
Felipe Moreno é autor, professor e editor de eBooks e revistas interativas digitais. É fundador e criador de conteúdo do portal de cultura literária, digital e audiovisual Letras Criativas. Felipe ministrará o curso Escrita Criativa para eBooks agora em Fevereiro, pela Simplíssimo. Detalhes e inscrições aqui.